A Grande Fome de Mao

A história da catástrofe mais devastadora da China, 1958-62

Frank Dikötter

Por: Reginaldo Cresencio

15/12/2025

Em A Grande Fome de Mao, o historiador Frank Dikötter oferece um dos relatos mais sólidos, dolorosos e necessários sobre uma das maiores tragédias humanitárias do século XX. A obra analisa o período do chamado "Grande Salto Adiante" (1958–1962), política conduzida por Mao Tsé-Tung que pretendia transformar rapidamente a China em uma potência industrial e agrícola, mas que resultou em uma fome de proporções catastróficas, levando à morte dezenas de milhões de pessoas.

A força do livro está no rigor documental. Dikötter baseia sua pesquisa em arquivos oficiais do Partido Comunista Chinês, relatórios locais, correspondências internas e testemunhos que só se tornaram acessíveis décadas depois. Esses documentos revelam que a fome não foi consequência de desastres naturais inevitáveis, como durante muito tempo se afirmou oficialmente, mas resultado direto de decisões políticas ideologicamente orientadas, da centralização extrema do poder e da recusa sistemática em reconhecer a realidade.

O autor descreve como metas irreais de produção agrícola, coletivização forçada, confisco de alimentos, punições severas a camponeses e a criminalização da verdade criaram um ambiente de medo e silêncio. Autoridades locais, pressionadas a demonstrar sucesso, falsificavam dados, enquanto populações inteiras eram privadas do mínimo necessário para sobreviver. A propaganda oficial falava de progresso, enquanto a população enfrentava fome extrema, colapso social e degradação da dignidade humana.

Um dos aspectos mais perturbadores da obra é a demonstração de como o regime tratou o sofrimento humano como um custo aceitável para a manutenção do poder e da ideologia. O livro expõe a lógica desumana de sistemas totalitários que, ao absolutizarem um projeto político, reduzem pessoas a números, estatísticas ou instrumentos descartáveis. Nesse contexto, a verdade torna-se inimiga, e a vida perde seu valor intrínseco.

Para além da análise histórica, A Grande Fome de Mao é um profundo alerta moral. A leitura nos confronta com os perigos de qualquer sistema que concentra poder sem limites, silencia vozes dissonantes e se coloca acima de princípios éticos básicos. À luz da fé cristã, o livro nos lembra da importância da dignidade da vida humana, criada à imagem de Deus, e da responsabilidade daqueles que exercem autoridade sobre outros.

Do ponto de vista pastoral, esta obra nos chama à sobriedade, à compaixão e à vigilância espiritual. A história narrada por Dikötter nos lembra de forma contundente do que acontece quando a verdade é sacrificada, quando a consciência é silenciada e quando Deus é excluído do horizonte moral da sociedade. Onde o homem se coloca como medida absoluta de todas as coisas, a vida humana rapidamente se torna descartável.

Como igreja, somos chamados a aprender com a história, a cultivar discernimento e a não nos deixarmos seduzir por promessas de progresso que desprezam princípios éticos e espirituais. O evangelho nos ensina que toda autoridade deve ser exercida com temor a Deus, que a verdade deve ser preservada mesmo quando custa caro e que o cuidado com o próximo é inegociável.

Que a leitura deste livro nos leve a orar pelos povos que ainda hoje vivem sob regimes opressores, a valorizar a liberdade que temos para anunciar a verdade e a reafirmar, em nossa vida pessoal e comunitária, que toda pessoa tem dignidade diante de Deus. Que sejamos uma igreja que aprende com o passado, caminha com sabedoria no presente e testemunha, com fidelidade, o Reino de Cristo em um mundo marcado por tanta dor.

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OPINIÃO SINCERA: Nota 10

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DIKOTTER, Frank. A Grande Fome de Mao

Rio de Janeiro, RJ, - Editora Record, 2025.