A Ira de Deus: O Céu em Guerra Contra o Pecado

02/11/2025

Por: Pr. Reginaldo Cresencio,

Pregado no domingo à noite, 02 de novembro de 2025,

na Igreja Batista Raízes, São Carlos - SP.

Texto: Romanos 1.18 (NVI)

"Portanto a ira de Deus é revelada dos céus contra toda a impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, ..."

Introdução

Gostaria de retomar nossa exposição da Epístola de Paulo aos Romanos com uma pequena digressão ao versículo 17, onde lemos: "O justo viverá pela fé." Esse versículo é a transição perfeita para compreendermos a seriedade do que Paulo dirá a seguir. É comum ouvirmos que "todo homem tem fé", como se bastasse possuir um sentimento religioso natural e aplicá-lo às coisas de Deus para ser salvo. No entanto, a fé de que fala a Escritura não é uma disposição natural do coração humano, mas um dom divino que nos une à justiça de Cristo.

Outros pensam que fé é o oposto das obras. Não é. O oposto das obras é a justiça de Deus. Jamais o homem pode tornar-se justo pelas obras, diz o apóstolo. A única justiça válida é aquela que Deus concede gratuitamente, a justiça do próprio Cristo. A fé é o instrumento pelo qual recebemos essa justiça, não o seu oposto.

Hebreus 11 nos oferece a melhor definição de fé. Ali vemos que a fé envolve a mente, que crê; o coração, que se persuade; e a vontade, que age. Nenhum daqueles heróis apenas disse: "Sim, eu creio", e depois continuou a viver como os demais. Abraão deixou sua terra, Noé construiu uma arca, Moisés abandonou os tesouros do Egito. Creram, amaram e obedeceram. A verdadeira fé sempre conduz à ação, à confissão e à transformação de vida. Dizer "eu creio no evangelho" não é o mesmo que ter fé; é preciso que o coração esteja envolvido, que haja amor pela verdade e obediência ao Deus da verdade.

Assim, o versículo 17 nos diz que "o justo viverá pela fé", e agora Paulo prossegue e explica por que somente o justo viverá. Os versículos 16 e 17 nos deram o resumo glorioso do Evangelho: ele é o poder de Deus para a salvação e revela a justiça de Deus. Mas imediatamente surge uma questão inevitável: "Por que precisamos que Deus nos dê justiça? Por que não podemos produzi-la nós mesmos?" É para responder a isso que o apóstolo introduz o versículo 18. O Evangelho é necessário, não para satisfazer nossas emoções ou nos fazer felizes, mas porque existe uma realidade terrível e santa chamada a ira de Deus.

A ira de Deus

Paulo escreve: "Pois a ira de Deus se revela do céu contra toda a impiedade e injustiça dos homens..."

Esse "pois" liga o versículo 18 aos anteriores. Ele mostra que a justiça revelada no Evangelho é indispensável porque a ira de Deus também está sendo revelada. A justiça é a solução; a ira é o problema. E somente o Evangelho responde a esse problema, pois nele o justo e santo Deus satisfaz a Sua ira por meio da morte do Seu Filho.

O apóstolo não escreve para provocar medo gratuito, mas para expor a realidade da condição humana. Do versículo 18 até o final do capítulo 3, Paulo mostrará que toda a humanidade: gentios, moralistas e judeus, está igualmente sob condenação. O quadro é sombrio, mas o pano escuro serve para que a joia do Evangelho brilhe ainda mais intensamente.

A ira de Deus não é uma explosão emocional ou um acesso de cólera. A palavra usada, orgē, descreve a indignação santa e constante do caráter divino contra o pecado. A ira é a reação necessária da santidade de Deus diante da impiedade do homem. O mesmo Deus que ama o bem deve odiar o mal. A ira de Deus é a santidade em movimento.

E Paulo diz que essa ira "se revela dos céus". Está no tempo presente, ela está sendo revelada. Assim como a justiça de Deus se manifesta no Evangelho, a ira de Deus se manifesta no mundo. Já é visível nas consequências morais e espirituais do pecado: nas consciências perturbadas, nas sociedades corrompidas, nas tragédias morais e espirituais que assolam o homem moderno. A humanidade não está apenas aguardando o juízo vindouro; ela já vive debaixo da ira de Deus, e apenas a misericórdia divina suspende o juízo final.

Impiedade e Injustiça

O que atrai a ira de Deus é "a impiedade e a injustiça dos homens". Impiedade é o desprezo pelos direitos de Deus — recusar-Lhe a adoração, negar-Lhe a glória, substituí-Lo por ídolos. Injustiça é o desprezo pelos direitos do próximo, o egoísmo, a mentira, a crueldade. Em outras palavras, é a violação direta dos dois grandes mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. Toda impiedade leva à injustiça, e toda injustiça nasce da impiedade.

O apóstolo acrescenta: "dos homens que suprimem a verdade pela injustiça." O verbo grego katechō significa reter com força, abafar. O homem natural conhece algo sobre Deus pela criação e pela consciência, mas escolhe reprimir essa verdade. Ele não é ignorante; é rebelde. A verdade de Deus é visível, mas ele a encobre, porque admitir a verdade exigiria arrependimento. Assim, a ira de Deus é justa, pois é dirigida a um homem que, vendo a luz, prefere as trevas.

E é interessante observar como Paulo, escrevendo a uma igreja que ele ainda não conhecia pessoalmente, não começa falando de felicidade, prosperidade ou experiências espirituais agradáveis. Ele começa falando da ira de Deus. O Evangelho que Paulo pregava nunca foi antropocêntrico; sempre foi teocêntrico. Ele não colocava o homem no centro da mensagem, mas Deus. Em nossos dias, porém, muitos têm vergonha dessa doutrina. Querem um evangelho sem sangue, sem cruz e sem juízo. Rejeitam a expiação porque rejeitam a realidade do pecado. Se não aceitam a ira de Deus, jamais entenderão o verdadeiro significado do amor de Deus.

A forma como o apóstolo inicia esta carta nos humilha. Hoje, muitos pregadores perguntam: "Como posso tornar minha mensagem mais atraente? Como agradar os jovens? Como suavizar os temas duros da Bíblia?" Paulo não fazia perguntas assim. Ele cria no poder do Espírito Santo, não na persuasão humana. Se Paulo vivesse hoje, seria considerado duro, antiquado e negativo. Mas seus sermões não deixavam dúvidas: em Romanos, ele menciona a ira de Deus mais de dez vezes; em 1 Coríntios 3, fala do fogo que provará as obras; em 1 Coríntios 11, diz que muitos adoeceram e morreram porque trataram a Ceia do Senhor com leviandade; em Efésios 2, lembra que éramos "por natureza filhos da ira"; em Colossenses 3, adverte que "por causa dessas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência".

Até mesmo o versículo mais amado das Escrituras, João 3.16, confirma isso: "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." Antes de falar da vida eterna, Jesus fala do perigo de perecer. E no mesmo capítulo, o versículo 36 diz: "Aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele."

Essa verdade é inescapável: Deus não muda. Ele continua sendo fogo consumidor. O Evangelho não existe para afagar o ego humano, mas para reconciliar o homem com Deus e livrá-lo da ira vindoura. A missão da igreja não é encher templos nem promover conforto espiritual, mas anunciar a santidade de Deus, o pecado do homem e a cruz de Cristo.

Por que essa doutrina é tão importante?

Por que essa doutrina é tão importante? Porque a santidade de Deus exige que o pecado seja tratado. A justiça divina não pode ignorar o mal. Se Deus não se indignasse contra o pecado, Ele deixaria de ser santo. A ira de Deus é parte de Sua perfeição moral. Faz parte da Sua glória.

E onde vemos essa ira revelada de forma mais clara? Na cruz. Ali, o pecado da humanidade foi lançado sobre o Cordeiro de Deus. A ira que deveria cair sobre nós caiu sobre Ele. Na cruz, vemos tanto o ódio de Deus ao pecado quanto o Seu amor pelos pecadores. "O salário do pecado é a morte"; e Cristo morreu, não porque Deus fosse cruel, mas porque Ele é justo. A cruz é a interseção da ira e do amor. O Deus que exige justiça é o mesmo que a satisfaz.

Se alguém olha para o Calvário e não vê a ira de Deus ali manifestada, tampouco verá o Seu amor. É na cruz que entendemos ambas as coisas: a santidade que não tolera o pecado e a graça que o remove. A ira que pune e o amor que salva encontram-se em perfeita harmonia.

Assim, o Evangelho que Paulo pregava é o mesmo que devemos pregar hoje: um Evangelho centrado em Deus, que revela a justiça, denuncia o pecado e aponta para a cruz como o único refúgio da ira vindoura.

O justo viverá pela fé, porque somente a fé em Cristo nos livra da ira de Deus e nos introduz na paz com Ele.

Aplicações Práticas

1. A ira de Deus nos lembra que o pecado não é um deslize moral, mas rebelião contra um Deus Santo, Santo, Santo. O verdadeiro cristão é aquele que sente horror ao pecado porque aprendeu a amar o Deus que o odeia.

Examine-se, irmão: há em seu coração um temor reverente diante da santidade divina? Você chora mais pelos efeitos do pecado ou pela ofensa que ele causa a Deus?

A verdadeira fé não busca apenas conforto, mas transformação. Aquele que crê de verdade não foge da luz que revela suas trevas — ele corre para ela.

Quem compreende a ira de Deus contra o pecado aprende a valorizar a graça que o libertou dele.

2. Muitos pais cristãos desejam que seus filhos sejam "felizes", mas negligenciam o desejo mais importante: que sejam santos.

Ensine em seu lar que Deus é amor, sim, mas que Seu amor é santo. Mostre aos seus filhos que o pecado tem consequências, e que o perdão só é real porque alguém sofreu a ira que nós merecíamos.

Ore para que sua casa seja uma igreja, e não um refúgio de conformismo espiritual. Que em cada refeição, conversa e oração familiar haja a lembrança de que a cruz foi o preço da nossa reconciliação.

Pais que escondem a ira de Deus dos filhos escondem também o valor do sacrifício de Cristo.

3. O Evangelho que Paulo pregava era teocêntrico, não antropocêntrico. Ele falava primeiro da ira de Deus, depois da graça de Deus.

A Igreja de Cristo precisa redescobrir essa ordem. Quando a pregação se torna superficial e emocional, perde seu poder de converter.

Não sejamos uma igreja que busca agradar os homens, mas uma igreja que teme e glorifica a Deus.

A função da igreja não é distrair os pecadores, mas conduzi-los à reconciliação com Deus.

Preguemos a cruz, ainda que ela ofenda. Falemos da ira, ainda que cause desconforto. Pois o poder do Espírito não acompanha discursos suaves, mas a verdade proclamada com fidelidade.

A igreja que silencia sobre a ira de Deus está apagando a luz que mostra a beleza da graça.

4. Anunciar o Evangelho é alertar o mundo de que a ira de Deus já está se revelando.

Não é arrogância, é compaixão. O pregador que fala da ira de Deus com lágrimas prega o Evangelho verdadeiro.

Não tenha medo de ser rejeitado por falar do juízo divino. O mesmo poder que convenceu Paulo e Pedro é o que convence hoje.

As pessoas precisam saber que há um refúgio, e esse refúgio é Cristo.

O mundo moderno chama de loucura o que é poder de Deus. Cabe-nos ser fiéis, não populares.

Evangelizar é gritar ao mundo: 'Fuja da ira vindoura, há abrigo sob o sangue do Cordeiro!'

5. Contemple o Calvário e veja ali a ira de Deus e o amor de Deus entrelaçados.

A cruz nos humilha, porque mostra o que merecíamos; e nos consola, porque mostra o que Cristo suportou em nosso lugar.

Toda adoração verdadeira nasce dessa consciência: o Cordeiro foi ferido pela ira que eu provoquei.

Que cada oração, cada cântico e cada ceia do Senhor nos recordem que fomos salvos não porque Deus ignorou o pecado, mas porque o puniu em Cristo.

Quem não vê a ira de Deus na cruz jamais compreenderá o amor que ali se revelou.

6. Vivemos dias em que o homem moderno "suprime a verdade pela injustiça".

Chamam o mal de bem, e o bem de mal.

Mas os cristãos não podem se calar. Devemos resistir à tentação de suavizar a mensagem para torná-la palatável.

Fidelidade à verdade é a maior expressão de amor ao próximo. O mundo não precisa de um Deus adaptado à sua cultura, mas do Deus vivo que julga e salva.

O Evangelho que não confronta a impiedade é cúmplice dela.

Oração de Encerramento

Senhor nosso Deus e Pai,

Diante da Tua Palavra que hoje nos visitou com tanto peso e glória, nós nos curvamos em temor e gratidão.

Tua santidade nos espanta, ó Deus. A Tua justiça nos confronta. E ao olharmos para nós mesmos, reconhecemos o quanto merecemos a Tua ira, pois temos sido injustos, ingratos e ímpios.

Mas, ó Senhor, quando levantamos os olhos e contemplamos a cruz do Teu Filho, vemos ali não apenas a Tua ira sendo derramada, mas também o Teu amor sendo oferecido.

Obrigado, Pai, porque onde deveria haver condenação, Tu colocaste expiação; onde havia dívida, Tu colocaste perdão; onde havia trevas, Tu acendeste a luz do Evangelho.

Que esta Palavra hoje nos livre da leviandade espiritual e do falso conforto de um cristianismo sem cruz. Ensina-nos a não fugir da Tua santidade, mas a correr para os braços do Teu Filho, que nos livra da ira vindoura.

Renova em nós o temor do Senhor, que é o princípio da sabedoria; reacende em nosso coração a paixão por um Evangelho que não agrada aos homens, mas glorifica o Teu nome.

Faze-nos, ó Deus, uma igreja que não se envergonha da verdade, que prega o arrependimento com amor, e que vive de modo digno do Evangelho de Cristo.

Dá-nos lágrimas de arrependimento, fé viva e obediência alegre. Que cada coração aqui presente seja tocado por Teu Espírito e encontre refúgio seguro sob o sangue do Cordeiro.

Obrigado, Senhor, porque em Jesus não há mais condenação. Obrigado porque a Tua ira foi satisfeita, e a Tua graça nos foi concedida.

A Ti seja a glória — hoje, e até o dia em que contemplaremos o Cordeiro que foi morto, mas vive e reina para todo o sempre.

Em nome de Cristo, o nosso Refúgio, a nossa Justiça e a nossa Paz.

Amém.

A cruz é o lugar onde a ira de Deus e o amor de Deus se encontram, e o pecador arrependido encontra perdão e vida.