Não desperdice sua vida

Por: Luiz Fernando Vales
Sermão pregado na Igreja Batista Raízes, São Carlos - SP, em 12 de outubro de 2025
Texto Base
Mateus 19:16-22
¹⁶ Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: "Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna? "
¹⁷ Respondeu-lhe Jesus: "Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos".
¹⁸ "Quais? ", perguntou ele. Jesus respondeu: " 'Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho,
¹⁹ honra teu pai e tua mãe' e 'amarás o teu próximo como a ti mesmo'".
²⁰ Disse-lhe o jovem: "A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda? "
²¹ Jesus respondeu: "Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me".
²² Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.
- Introdução
"Não desperdice sua vida!". Esse é o título da mensagem que quero compartilhar com vocês nessa noite.
A história que lemos foi registrada três vezes no Novo Testamento. Ela se encontra em Mateus 19, Marcos 10 e Lucas 18. Os 3 evangelistas foram inspirados pelo mesmo Espírito a escrever sobre esse episódio. Então, não há dúvida de que houve um sábio propósito nessa repetição tripla.
Meu objetivo neste sermão é propor uma reflexão sobre o que é necessário para ter acesso à vida eterna e pensar em algumas lições que extraímos dessa passagem das Escrituras.
- Um jovem em crise existencial
No texto que lemos, temos o relato de alguém que vai ao encontro de Jesus e expõe um dilema existencial. Volte comigo novamente ao verso 16, que diz o seguinte:
Mateus 19:16 Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: "Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna? "
Essa é a questão que ele fez a Jesus: "que farei de bom para ter a vida eterna?". Ele estava preocupado com a eternidade. Existe uma vida além deste mundo, uma vida eterna. Como alcançá-la? Esse era seu dilema.
Mas quem era este alguém que se aproximou de Jesus com essa pergunta? Não sabemos o seu nome, mas temos algumas características dele: Ele era um jovem (Mt 19.20), muito rico (Mt 19.23), alguém em posição de autoridade (Lc 18.18) e aparentemente de reputação ilibada, ele era um homem íntegro. Ele tinha tudo que muitos sonham. O que faltava para este homem? Aparentemente nada..
Entretanto, ele estava em uma profunda crise existencial. Notamos que ele estava desesperado. Em Marcos, é dito que ele correu para falar com Jesus e ajoelhou-se aos seus pés. Imagine a cena: Uma pessoa dos nossos dias que seja muito rica, um empresário bem sucedido talvez, ou alguém em posição de autoridade, um político ou um juiz de alto escalão, por exemplo. Imagine essa pessoa correndo em direção a alguém e se ajoelhando aos seus pés clamando por uma orientação para sua vida. Esse é o homem que foi até Jesus.
Então, temos um homem extremamente perturbado. Toda a sua riqueza, posição social e religiosidade não lhe tinham dado confiança, paz, alegria ou mesmo uma esperança duradoura. Havia uma inquietação em sua alma e ele sentia a falta de segurança em seu coração. Portanto, ele estava em uma profunda crise existencial.
Mas essa não é apenas uma história distante, que ficou no passado. Há um documentário chamado Born rich (Nascido rico). Ele mostra que filhos de grandes magnatas muitas vezes também vivem uma profunda crise existencial: Eles não sabem quem são sem as riquezas, não encontram propósito, carregam o peso das expectativas da família e, mesmo tendo "tudo", sentem que falta algo. Jovens que, mesmo rodeados de luxo, se sentem vazios. Eles sentem que falta algo maior que lhes dê significado.
A verdade é que de fato há dentro de cada um de nós um desejo por algo mais – de fazer parte de algo maior — mais grandioso, mais profundo do que a nossa existência comum. Esse desejo por algo maior é chamado de transcendência e é de todos nós, porque Deus o colocou ali. Nós não fomos feitos para ficar plenamente satisfeitos apenas com a nossa própria sobrevivência e prazer.
Esse anseio não é apenas por algo maior, mas por alguém maior — o próprio Deus. Desde a criação, o ser humano foi feito para viver em comunhão com o Criador e encontrar nele sentido e plenitude existencial. A verdadeira transcendência, portanto, não está nas coisas criadas, mas na glória de Deus, para a qual fomos formados e na qual encontramos plena realização.
O homem foi criado para essa finalidade, a glória de Deus, e para encontrar nele satisfação para a sua alma. Mas, ao homem também dada a liberdade para escolher permanecer nesse estado ou não.
Sendo assim, Deus colocou o homem no jardim e lhe deu a seguinte instrução:
Gênesis 2:16,17
16 E o Senhor Deus ordenou ao homem: ― Coma livremente de qualquer árvore do jardim.
17 Mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque, no dia em que comer dela, certamente você morrerá.
Então, se o homem comesse do fruto que lhe foi proibido, ele estaria sinalizando que estava rejeitando ao Senhor, e a consequência dessa escolha seria separação de Deus e morte. Mas, se ele obedecesse, viveria eternamente em sua presença em estado de glória e satisfação plena. A Teologia chama isso de Pacto da Criação. Esse termo é usado para apontar para a aliança que o Senhor fez com a humanidade, tendo Adão como seu representante. Como esse pacto é baseado na obediência humana a Deus, ele também é chamado de Pacto de Obras.
Então, a vida eterna seria dada a Adão e a seus descendentes sob a condição de uma perfeita obediência pessoal a Deus. Se o homem obedecesse, comeria da árvore da vida e permaneceria eternamente em estado de glória e satisfação plena.
Mas homem rejeitou ao Senhor, ele comeu do fruto que não lhe era permitido. Alguma vez você já pensou sobre o que exatamente a serpente ofereceu a Eva naquela conversa no jardim? Em Gênesis 3, temos essa conversa: A serpente perguntou para Eva se Deus havia proibido de comer do fruto de todas as árvores do jardim. Eva disse que não era isso, mas que, na verdade, Deus tinha proibido somente de comer do fruto da árvore que estava no meio do jardim e que se eles comessem, morreriam. Porém, conforme vemos em Gênesis 3:4,5:
4 A serpente disse à mulher: ― Certamente não morrerão!
5 É que Deus sabe que, no dia em que comerem dele, os seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus, conhecedores do bem e do mal.
"Vocês serão como Deus", isso é o que a serpente ofereceu para Adão e Eva. A serpente ofereceu um outro tipo de glória, separada da glória de Deus, e eles optaram por ela, e comeram do fruto. E o resultado dessa escolha foi terrível, a coisa mais triste que já aconteceu na Terra. Eles foram criados para a glória de Deus e para encontrar satisfação nele. Mas rejeitaram ao Senhor e este é o Pecado que eles cometeram.
Tendo pecado, foram então destituídos da glória de Deus, isto é, da finalidade para a qual foram criados, da razão para a sua existência. Então, ficou na alma de cada ser humano um vazio, uma inquietude, uma insatisfação com a vida e um desejo por algo maior, que ele nem sabe exatamente o que é. Ficou na alma humana aquele desejo pela transcendência para a qual fomos criados, isto é, a glória de Deus.
E a queda do Homem produziu efeitos profundos sobre toda a criação. O pecado rompeu a comunhão perfeita entre o homem e Deus. As relações humanas foram corrompidas pelo egoísmo e pela disputa, A própria criação foi sujeita à maldição e ao sofrimento. Assim, o mundo que foi criado bom e harmonioso tornou-se um lugar de corrupção, dor e morte.
Como expressar em palavras a pior coisa que já aconteceu? Talvez o apóstolo Paulo seja quem tenha feito isso melhor. Em Romanos 8.22, ele diz: "A criação geme até agora como em dores de parto". Este é o mundo quebrado que vivemos e que geme aguardando uma restauração.
Diante dessa realidade, muitos não veem sentido para a vida e se perguntam: "Como viver com dignidade e sentido em um mundo aparentemente sem sentido?".
E, distante de Deus, as pessoas buscam uma razão para a sua vida, algo para preencher o vazio que há no seu coração e que lhe dê significado: Satisfação de prazeres, uma carreira de sucesso, relacionamentos, envolvimento em causas político-ideológicas até mesmo como uma tentativa humana (sem Deus) de redimir um mundo quebrado, status, poder, riquezas e, até mesmo, religiosidade.
Este é o diagnóstico da teologia cristã para a causa do vazio que há na alma de cada ser humano que vem ao mundo. Nesse ponto, voltamos para o jovem que foi ao encontro de Jesus.
- Uma preocupação legítima, mas uma premissa equivocada
Apesar de sua condição privilegiada (juventude, riqueza e status), aquele jovem sentia esse vazio existencial e ele questiona Jesus sobre a vida eterna. A preocupação dele com a eternidade é legítima. Muitos hoje sequer se preocupam com isso. Mas ele sim! Ele sabia que havia algo maior do que tudo o que ele conquistou na vida e que é a vida eterna. Porém, há um problema na sua pergunta. Leia comigo novamente o v. 16 "Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?".
"O que farei de bom?" Essa parte da pergunta revela que ele acreditava que poderia fazer algo para merecer a vida eterna, como se a vida eterna pudesse ser conquistada por algum ato específico de bondade. Aliás, muitos judeus no tempo de Cristo criam que poderia existir algum ato de bondade que fosse tão extraordinário, que poderia lhes garantir a salvação. Talvez fosse o caso desse jovem e daí a sua pergunta, "que farei de bom para ter a vida eterna?". Ele foi a Jesus partindo do princípio de que a vida eterna poderia ser conquistada como uma recompensa pelo seu esforço.
Portanto, ele tinha um entendimento errado acerca da salvação, pois achava que poderia fazer algo para ganhar ou merecer a vida eterna. E esta, que era uma crença comum naquela época, ficou na mente de muitos ao longo da história, até os dias atuais.
Partindo dessa premissa, há grupos religiosos que definem normas que devem ser rigorosamente seguidas por seus membros para que a salvação seja obtida, ou para que ela não seja perdida. Regras quanto a tipos de roupas que as pessoas devem usar, alimentos que podem ou não ser consumidos, tipos de entretenimento e muitos outros padrões de comportamento que conhecemos e debaixo dos quais alguns dentre nós até já viveram.
Junto com esse tipo de teologia, vem também o autoengano por parte daqueles que acreditam que estão em boa condição espiritual por obedecerem essas normas, quando na verdade não estão. É como se essas pessoas estivessem anestesiadas. Há uma ferida aberta e que precisa de um remédio, mas elas não percebem isso, pois estão sob o efeito de um anestésico.Este é o perigo do autoengano.
Por outro lado, há também pessoas sinceras, pessoas que verdadeiramente amam a Deus e que olham para si e reconhecem suas falhas, seus pecados e que se veem incapazes de cumprir perfeitamente a lei de Deus e todas as regras adicionais definidas por sua religião. Diante dessa realidade, essas pessoas vivem angustiadas, sem paz no coração, temendo a condenação eterna. Pessoas sinceras que foram ensinadas que a salvação depende de seu próprio esforço moral e que acabam vivendo atormentadas. Elas temem ser encontradas na vinda de Cristo em algum pecado e acreditam que, se isso acontecer, não serão salvas. Afinal, se a salvação exige provas de bom comportamento, de esforços e de disciplinas pessoais, qualquer falha pode resultar na perda da vida eterna. Então, essas pessoas sofrem com uma insegurança e um desespero muito grande já que foram ensinadas que tudo depende delas.
Nesse contexto, também encontramos aproveitadores, que se levantam em nome de Deus. Homens cruéis que se aproveitam do desespero das pessoas para manipular, ganhar poder e enriquecer. Líderes, que com falsos ensinos, manipulam as pessoas exigindo delas o cumprimento rigoroso de campanhas, barganhas espirituais, ou pedindo doações para que os fiéis obtenham perdão ou garantia de bênçãos. Pessoas são atormentadas por esses ensinamentos, acreditando que, se não fizerem "isso ou aquilo", não terão a bênção de Deus ou serão atingidas por maldições.
E por que muitas pessoas se submetem a esse tipo de manipulação? Porque partem da mesma premissa errada revelada na pergunta do jovem que foi falar com Cristo, isto é, de que é possível fazer algo para conquistar o favor divino, seja ele alguma benção, algum milagre, ou mesmo a vida eterna.
Essa passagem de Mateus 19 serve como um exemplo prático desse conceito de que a salvação ou algum favor divino podem ser conquistados pelo esforço humano. O jovem queria saber o que "ele poderia fazer de bom" para merecer a vida eterna.
Portanto, embora tenha uma preocupação legítima, a sua pergunta revelou a sua ignorância sobre a salvação. Analisemos então a resposta de Jesus.
- Há somente um que é essencialmente bom
Acompanhe comigo o verso 17. Na primeira parte, Jesus diz "Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom.".
Duas observações aqui. Primeiro, Jesus deixa claro que só existe um que é bom: Deus. Nenhum outro homem é, por mais virtuoso e mais íntegro que possa parecer. Qualquer bondade que vemos em pessoas é um reflexo da bondade absoluta de Deus.
A segunda observação diz respeito à expressão "Bom Mestre", que é citada nos Evangelhos de Marcos e Lucas. O jovem chama Jesus de "Bom Mestre". Mas essa não era uma forma usual de se dirigir a alguém no judaísmo. Um rabino era chamado de "mestre", mas não de "bom mestre", pois os judeus reservavam essa palavra "bom" apenas para se referir a Deus.
Então, ao chamá-lo de "Bom Mestre", o jovem estava apenas o bajulando Jesus. Se ele realmente acreditava que Jesus era "bom", como ele disse que era, ele também deveria reconhecer que Cristo era Deus.
Então, ao afirmar que "Há somente um que é bom", nosso Senhor não estava negando sua bondade, nem a sua divindade, na verdade, ele estava testando aquele jovem, para ver até que ponto ele entendia o que havia acabado de dizer.
Dito isso, o fundamental na primeira resposta que Jesus dá nessa conversa é entendermos que a bondade absoluta, perfeita e essencial é atributo exclusivo de Deus. E, ao afirmar que somente Deus é bom, Jesus está apontando para a realidade da condição caída da natureza humana e, portanto, para a incapacidade de qualquer ser humano de conquistar a vida eterna pelos seus esforços pessoais.
O fato é que com boas intenções, esforços e pelo moralismo, ninguém consegue merecer a vida eterna. Por que? Porque todo homem foi corrompido pelo pecado e isso o incapacita de satisfazer plenamente o padrão perfeito da justiça de Deus. Somente Deus é essencialmente bom e Cristo diz isso claramente para aquele jovem.
Dessa forma, Cristo confronta o seu entendimento errado quanto a sua capacidade de fazer algo para merecer a vida eterna.
- A salvação é pela fé
Apesar de seu entendimento errado, a pergunta dele está relacionada a um tema importante, que é como ter acesso à vida eterna. De fato, essa é uma pergunta importante. Qual é a resposta a essa questão? Vários textos no Novo Testamento respondem essa pergunta. Vejamos alguns:
João 5:24 Em verdade lhes digo que quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida.
João 6:28-29
28 Então, perguntaram‑lhe: ― O que precisamos fazer para realizar as obras que Deus requer?
29 Jesus respondeu: ― A obra de Deus é esta: que creiam naquele que ele enviou.
João 6:40 Porque a vontade do meu Pai é que todo aquele que olhar para o Filho e nele crer tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia.
João 6:30-31
30 Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais milagrosos, que não estão escritos neste livro.
31 Estes, porém, foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, crendo, tenham vida em seu nome.
Efésios 2:8-10
8 Pois pela graça vocês são salvos, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus;
9 não por obras, para que ninguém se glorie.
10 Porque fomos feitos por Deus, criados em Cristo Jesus, para boas obras, as quais Deus preparou previamente para que andássemos nelas.
Portanto, a fé em Cristo é o meio pelo qual alguém é salvo e, portanto, terá acesso à vida eterna. Não é por algum ato específico de bondade, ou por um saldo positivo de boas ações, ainda que isso fosse possível. Não. A salvação é pela fé somente! Mas Jesus não disse para aquele jovem que a salvação é pela fé, como o fez em outros momentos.
- Jesus aponta para a Lei de Deus
No final do verso 17, Jesus diz "Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos".
A resposta de Jesus parece destoar das outras afirmações dele sobre como ser salvo. Ele diz para aquele homem que "se quisesse entrar na vida, ele deveria obedecer aos mandamentos.".
O Senhor nada falou sobre si mesmo ou sobre os fatos do evangelho. Não convidou o homem a crer. Não lhe pediu que fizesse uma decisão. Nada disso. Jesus apontou para a necessidade de guardar os mandamentos. Por que, então, Jesus falou dessa forma com o rapaz? Por que será que Jesus não disse somente para aquele homem crer nele como fez em outros momentos?
Duas coisas aqui: A primeira é que sim, a obediência aos mandamentos é um requisito para herdar a vida eterna. É o que vimos no Éden, no Pacto da Criação. Mas, o homem quebrou o pacto e, após a queda, ninguém mais é capaz de cumprir perfeitamente a lei de Deus.
E o segundo ponto: Faltava àquele jovem o reconhecimento da sua condição de pecador. Seu desejo por vida eterna baseava-se no vazio de sua alma, talvez aliado ao desejo de conseguir alegria, paz e esperança. Mas apenas sinceridade e bons desejos não são suficientes para que alguém seja salvo por Cristo.
Aquele homem acreditava que era capaz de fazer algo para ser merecedor da vida eterna e ele também se achava justo. Então, Jesus está confrontando esse entendimento desafiando-o a ser salvo pelas obras: "Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos". Jesus está apontando para a condição necessária para herdar a vida eterna: obediência perfeita. Mas o fato é que ninguém consegue.
Jesus o confronta com o padrão divino, não porque guardar a lei o faria merecer a vida eterna, mas para que ele pudesse perceber como ele estava longe e que não era justo como pensava que era. E a pregação do evangelho sempre começa pela exposição da lei de Deus.A exposição da lei sempre precede o anúncio da salvação pela graça de Deus. A lei é o preceptor que leva um pecador a Cristo.
Gálatas 3.24 Assim, a lei foi o nosso tutor até a chegada de Cristo, para que fôssemos justificados pela fé.
Então, um dos propósitos da lei é fazer o pecador reconhecer sua condição diante de Deus, condição de culpa e de condenação, e que, portanto, ele precisa de um Salvador: Jesus Cristo. Por isso, Paulo em Gálatas diz que a lei é um tutor até a chegada de Cristo. Então a lei é como um espelho que nos mostra como estamos sujos, mas esse espelho não tem a capacidade de nos limpar das transgressões.
Portanto, Jesus não está em contradição com o que falou em outros momentos sobre a salvação pela fé, mas está tentando despertar a consciência daquele homem para a realidade da sua condição pecaminosa. Todavia, convicto de sua autojustiça, ele não reconhece isso, como vemos na sequência do texto.
- A ignorância quanto à iniquidade do coração é revelada
Mateus 19:18-19
18 "Quais?", perguntou ele. Jesus respondeu: "'Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho,
19 honra teu pai e tua mãe' e 'amarás o teu próximo como a ti mesmo'".
O Senhor Jesus citou alguns dos Dez Mandamentos e acrescentou: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo". Imediatamente, a cegueira espiritual daquele homem é revelada. Vejam a resposta do jovem no verso 20: "A tudo isso tenho obedecido".
De fato, é provável que aquele homem nunca tenha matado alguém ou adulterado. Certamente, não era ladrão ou mentiroso. É bem possível que ele realmente não tenha feito nenhuma dessas coisas. Mas ele não levou em conta que a lei de Deus é a norma para avaliação não apenas das atitudes, mas também das intenções do coração e das nossas palavras.
O fato é que Deus exige retidão no íntimo do nosso ser, não apenas exteriormente, e quebramos seus mandamentos em nossos corações e pensamentos, mesmo quando não os quebramos em nossos atos. Essa verdade foi pregada por Cristo no Sermão do Monte. Então, de forma alguma ele poderia dizer que sempre cumpriu a lei. Aquele homem certamente estava enganado a respeito de si mesmo. Ele demonstrou que não sabia nada corretamente sobre si mesmo, sobre Deus e sobre a intenção por trás da Lei. Agora, imagine-se no lugar daquele jovem ao ser confrontado por Cristo com a exposição da lei, qual deveria ser a reposta correta?
Alguns diriam: "Senhor, nunca matei, mas preciso reconhecer que já senti satisfação quando as coisas deram errado para um desafeto"; outros diriam: "Senhor, nunca matei, mas guardo ressentimentos e inimizades que não quero tratar". Ainda outros diriam: "Senhor nunca adulterei, mas meu coração está cheio de desejos impuros e meus olhos têm visto o que não convém". Alguns talvez dissessem: "Senhor, eu nunca roubei, mas confesso que eu tenho inveja e cobiço as coisas de algumas pessoas".
Faça uma autoanálise começando pelos 10 mandamentos. Se não for como aquele jovem, iludido em autojustiça, você será forçado a reconhecer que falha e falha muito no cumprimento da lei de Deus. Todos falhamos!
Mas aquele jovem não reconhecia nada disso e, corajosamente, diante de todos disse que obedecia a lei. Na verdade, com essa reposta, ele estava dizendo o seguinte: "Não tenho nenhum pecado real. Tenho guardado toda a lei. Olho para mim mesmo e não vejo qualquer transgressão".
Aquele homem realmente acreditava que era justo e não era capaz de perceber quão longe estava disso. E, infelizmente, a cegueira espiritual revelada aqui é muito comum. Muitos não fazem ideia alguma de sua própria pecaminosidade e culpa aos olhos de Deus. Mas a primeira coisa essencial à salvação é ser livre dessa cegueira.
Mesmo acreditando que cumpria perfeitamente a lei de Deus, aquele jovem não tinha paz e, em desespero, ele diz: "o que me falta ainda?", como lemos no final do verso 20.
- Um chamado à rendição incondicional
Chegamos então ao clímax dessa história:
Mateus 19:21 Jesus respondeu: "Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me".
"O que me falta ainda?" Foi a pergunta que o jovem fez a Cristo. Nesse ponto da conversa, o Evangelho de Marcos acrescenta um detalhe. Ele diz que, diante dessa questão, Jesus olhou para ele e o amou (Mc 10.21). Que detalhe maravilhoso! Jesus não o desafiou com dureza, mas com amor. Jesus viu uma alma que se debatia em toda a sua debilidade e em toda a sua fraqueza, resultantes da Queda, e teve compaixão. Movido por esse amor, Jesus o confronta uma última vez: "Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me".
Uma questão aqui: Será que Jesus está dizendo que que todos precisam abrir mão de seus bens materiais para serem salvos?
Ao longo da história, algumas pessoas entenderam que sim e fizeram voto de pobreza. Mas o fato é que poucas pessoas nos Evangelhos foram chamadas por Cristo a abrir mão dos seus bens, deixar tudo para trás e segui-lo.
Mateus, que era cobrador de impostos, recebeu essa ordem e, diante do chamado de Cristo, largou tudo e o seguiu. Pedro, Tiago e João também. Após a pesca maravilhosa, eles deixaram o barco, as redes e os peixes e passaram a seguir a Cristo. Os demais apóstolos e um grupo restrito de discípulos também receberam esse chamado e obedeceram.
Por outro lado, há também pessoas que quiseram fazer isso, mas foram impedidas por Cristo. Por exemplo, temos o relato do gadareno em Marcos 5. Ele vivia possesso por demônios e Cristo o libertou. E, quando Cristo estava entrando no barco para ir embora, aquele homem pediu para ir junto, mas Jesus não permitiu. Jesus disse para ele ir para casa e anunciar aos seus tudo o que o Senhor havia feito por ele.
O problema também não eram as riquezas e a posição social daquele jovem. Zaqueu, que era chefe dos publicanos, homem também muito rico teve um encontro pessoal com Cristo, decidiu dar metade dos seus bens aos pobres e indenizar todos que ele tivesse prejudicado. Mas, Cristo não disse para ele fazer nada disso. Ele o fez por conta própria. Cristo não pediu para ele abrir mão de tudo e o seguir, mas diante da disposição daquele homem, Cristo disse "Hoje houve salvação nesta casa".
Então, por estes e muitos outros exemplos, percebemos que a salvação de quem quer que seja não depende de abrir mão dos bens materiais, que é algo que Cristo ordenou para o jovem rico fazer. Na verdade, essa foi uma ordem específica para este homem.
O ponto é que os bens haviam se tornado um ídolo, um deus substituto para ele, o demônio, que, no fim, o mataria a não ser que desistisse de tudo. Jesus sabia que aquele rapaz amava as riquezas materiais mais que tudo. Então, ao pedir que vendesse seus bens, Jesus estava forçando aquele homem a examinar o próprio coração mais uma vez. O Senhor fez um ataque frontal ao ponto fraco daquele homem — o pecado do materialismo. Cristo estava mostrando que, na realidade, seu amor pelo dinheiro acima de tudo era uma transgressão da Lei e fazia dele um pecador.
Portanto, Jesus não estava ensinando que vender tudo salva. Mas estava confrontando aquele homem em sua idolatria e o chamando a uma entrega total.
Aqui também temos uma demonstração prática do que significa uma fé que salva, fé que este homem não teve.
Como vimos, a salvação é pela fé e Jesus disse isso várias vezes em outros momentos. Jesus nunca disse que a salvação é pelas obras. Mas, quando questionado pelo jovem sobre como obter a vida eterna, Jesus não disse nada sobre a necessidade de crer nele.
O ponto é que este homem estava perdido em vários conceitos errados. Ele acreditava que era bom, quando, na verdade, somente Deus é bom. Ele acreditava que era capaz de fazer algo de bom para conquistar a vida eterna, quando, na verdade, não há nada que alguém possa fazer para merecer a vida eterna. Ele acreditava que obedecia a lei perfeitamente, quando ninguém é capaz de fazer isso. Ou seja, ele tinha entendimentos errados sobre a salvação e sobre sua condição espiritual diante de Deus. Então, se Jesus dissesse "Creia em mim e você terá a vida eterna", era bem provável que ele dissesse "eu creio Senhor", sem compreender o que isso significa.
E o que isso significa? Nesse ponto, faço um paralelo entre este homem e Abrão.
Abrão, que mais tarde teve o nome mudado para Abraão, é uma das figuras centrais da Bíblia. Ele vivia em Ur dos Caldeus e foi chamado por Deus para deixar sua terra, seus parentes, a casa de seu pai e ir para um lugar que Deus lhe mostraria. Esse chamado está em Gênesis 12.
Sabemos que Deus estava formando um povo a partir de Abrão, um povo para através dele enviar o Messias, o Salvador não só daquele povo, mas como de todas as famílias da terra. Então, para executar esse plano, Deus chamou Abrão e disse que ele deveria deixar para trás seus parentes, seus bens e seus deuses. Ele deveria abrir mão de tudo e seguir para um lugar que lhe era desconhecido. Em Gênesis 15:6, é dito que "Abrão creu no Senhor, e o Senhor lhe atribuiu isso como justiça.".
Note que Abrão teve fé em Deus e, como teve fé, ele obedeceu ao chamado. Ele renunciou a tudo por crer em Deus. Portanto, a obediência de Abraão ao chamado é a demonstração prática de que ele teve fé.
Cristo faz algo semelhante com o jovem rico. Cristo o desafia a ser salvo não pela distribuição de bens aos pobres, pela filantropia, pelo voto de pobreza, nem pelo fato de simplesmente seguir a Cristo aonde ele fosse, mas sim pela fé, uma fé que seria evidenciada pela disposição de abrir mão de tudo por Cristo, pela disposição de renunciar àquele que era seu deus, o apego aos bens materiais. E ele só conseguiria responder a esse chamado se de fato tivesse fé naquele mestre em quem ele estava buscando respostas para sua crise existencial.
Nesse episódio, temos uma demonstração prática do que significa uma fé genuína, isto é, uma fé que produz salvação. Ela não é um simples assentimento intelectual da existência de Deus, um mero reconhecimento de que Ele existe. Como diz R. C. Sproul, "uma coisa é acreditar em Deus; outra bem diferente é crer em Deus". Aquele jovem acreditava em Deus, mas não tinha fé nele. Se tivesse, teria agido como Abrão, e obedecido ao chamado de Cristo.
A fé verdadeira envolve alguns elementos: Reconhecimento da condição de pecaminosidade diante de Deus, o que leva ao arrependimento de pecados, e a uma confiança firme e inabalável em Cristo como Salvador e Senhor da sua vida. Todos esses elementos estão presentes na forma como Cristo conduziu a conversa com este jovem. Essa é a fé que salva, é dessa fé que Jesus estava chamando o jovem a participar e ela seria evidenciada pela obediência ao chamado de Cristo.
Portanto, uma fé genuína sempre vem acompanhada pela disposição em obedecer ao Senhor, por entender que ele deve ser a autoridade máxima da sua vida.
- A triste resposta ao chamado
E qual foi a resposta do jovem ao chamado de Cristo? Veja o verso 22: "Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.".
O apego que ele tinha pelas riquezas e a recusa em renunciá-las para seguir Jesus mostram que ele transgredia o maior de todos os mandamentos: "Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma e de toda a tua força".
De todas as pessoas que vieram humildemente aos pés de Jesus, este homem é o único que foi embora de maneira pior do que quando chegou! Ele queria a vida eterna, mas não estava disposto a vir como Jesus havia definido: reconhecendo o seu pecado e rendendo-se ao senhorio de Jesus.
O jovem ficou muito triste, mas não renunciou à sua vontade. Ele se entristeceu, mas não se arrependeu. Com aquela disposição, ele não entraria no reino de Deus, porque ele amava mais as riquezas do que o Soberano daquele reino: Jesus. Ele não queria salvação, porque em nenhum momento ele reconheceu que estava em dívida com Deus e que precisa de um Salvador. Pelo contrário, na verdade, ele se achava justo, fiel cumpridor da lei. Portanto, ele não buscava salvação, ele buscava uma condição abençoada, que ele chamava de vida eterna, porém sem compromisso com o Deus que a concede.
De forma semelhante, há pessoas que até buscam a Deus, mas apenas para tentar resolver algum problema (físico, emocional, financeiro, de relacionamento, etc). Nós também devemos reconhecer temos a tendência de escolher as áreas da vida nas quais o compromisso com Deus nos é conveniente e ficamos distantes daquelas áreas em que nosso envolvimento terá um custo muito alto. Porém, por Jesus ser o Senhor, não temos o direito de escolher as áreas nas quais nos submetemos à sua autoridade.
Nessa passagem, aprendemos que se Cristo não for o soberano da sua vida, então ele não é seu Salvador. Há uma música muito bonita que diz o seguinte:
"No trono do viver, só existe lugar pra um
Lugar de quem governa todo o ser
(...)
Se Ele não for o primeiro em seu coração
Então já não é mais nada, não passa de uma ilusão!"
Para aquele jovem, Cristo era apenas mais uma ilusão. Para ele, Cristo não passava de um Mestre, um bom Mestre talvez, mas somente isso. Não aquele a quem ele deveria entregar-se por completo, confiar e encontrar descanso para sua alma e sentido para a sua existência.
E quantos não tem esse perspectiva à respeito de Cristo? Muitos o veem como um grande homem, exemplar, um sábio, um modelo a ser seguido, alguém preocupado com os pobres e oprimidos. É verdade, ele é tudo isso mesmo, mas ele muito mais do que isso. Ele é o Filho Deus que deve ser recebido como Senhor soberano da sua vida.
Note que Cristo deixou o jovem partir triste sem salvação. O jovem possuía todas essas características: reconhecimento de carência espiritual, humildade (até se ajoelhou diante de Cristo), desejo pela vida eterna, sinceridade e, aparentemente, conduta íntegra. Mas, mesmo assim, ele foi embora sem salvação, porque não se submeteu aos termos de Cristo.
Aprendemos nessa passagem que Cristo ama pecadores e, porque os ama, ele os confronta em seus pecados e demanda uma entrega total. Apesar de a salvação ser um dom gratuito de Deus, Cristo não a dará a quem tiver outras coisas no trono do seu viver, Ele não a dará a quem estiver com as mãos cheias de outras coisas.
- Conclusão
Concluo com algumas aplicações:
Cuidado com o apego aos bens materiais, que é uma armadilha tanto para o rico como para o pobre. Ore por contentamento em relação às coisas que possui. Feliz é aquele que aprendeu a orar como Agur: "não me dês nem pobreza nem riqueza; dá‑me apenas o alimento necessário." (Provérbios 30.8).
Seja grato pelo que tem e pratique a generosidade. Ao compartilhar seus recursos, você vence o egoísmo e experimenta a alegria de viver para algo maior que si mesmo.
Avalie seu coração e verifique se não possui ídolos, isto é, pecados que o dominam, tal como o jovem dessa passagem que era dominado pelo materialismo. Escrevendo para cristãos, João disse "Filhinhos, guardai-vos dos ídolos". Então, examine seu coração e se tiver algum ídolo nele, busque perdão e libertação no Senhor.
Faça uma autoanálise do seu compromisso com Cristo e se esforce para alinhar sua vida ao que Mestre deseja e revelou em sua Palavra. Lembre-se: Uma fé verdadeira sempre é acompanhada pela disposição em obedecer.
Por fim, concluo reafirmando que o ser humano foi criado para a glória de Deus e para encontrar nEle satisfação para a sua alma. Infelizmente, tal como o jovem dessa passagem, muitos abrem mão dessa glória imensurável e eterna procedente de Deus por pequenas porções de glória deste mundo, que são passageiras e que não preenchem o vazio da sua alma. Não faça isso, volte-se incondicionalmente para aquele que é o único que pode dar sentido para a sua existência.
Não desperdice sua vida!
