Não me envergonho do Evangelho

Por: Pr. Reginaldo Cresencio,
Pregado no domingo à noite, 26 de outubro de 2025,
na Igreja Batista Raízes, São Carlos - SP.
Texto: Romanos 1.16–17
Introdução
Na mensagem anterior, ao meditarmos em Romanos 1.1–15, vimos Paulo se apresentar como "servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus".
Ali aprendemos que o Evangelho não é uma ideia humana, mas a boa-nova de Deus sobre Seu Filho, planejada desde a eternidade e prometida nas Escrituras.
Vimos também que o verdadeiro ministério nasce da submissão, e que a fé genuína gera obediência, serviço e amor, e que a igreja é chamada a viver e anunciar esse Evangelho com gratidão e propósito.
Paulo, em seu zelo pastoral, revelou seu amor pela igreja em Roma e o desejo ardente de comunicar-lhes "algum dom espiritual" e de ver frutos entre eles.
Concluímos, então, que todo crente é um servo separado para o Evangelho, devedor de graça e participante da missão de Deus.
Mas agora, ao chegarmos aos versículos 16 e 17, o apóstolo abre o coração e expõe a razão mais profunda de seu ministério:
"Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê..."
Aqui, Paulo deixa de falar sobre seu chamado e passa a declarar sua convicção.
Se antes ele nos mostrou quem ele é e para que foi separado, agora revela por que vive e prega com tanta ousadia.
Esses dois versículos, pequenos em extensão, mas imensos em conteúdo, são o coração de toda a Epístola aos Romanos.
Martyn Lloyd-Jones dizia que eles são o sumário de todo o Evangelho; e João Calvino os chamava de o portal pelo qual entramos no santuário da graça de Deus.
Neles, Paulo apresenta o tema central de toda a carta: o Evangelho é o poder de Deus que salva e a revelação da Sua justiça que justifica o pecador pela fé.
Aqui encontramos o fundamento da Reforma, o centro da fé cristã e a razão pela qual a igreja vive, proclama e sofre: porque o Evangelho não é vergonha — é glória; não é fraqueza — é poder; não é ameaça — é salvação.
Assim, o que veremos hoje é o coração pulsante
da mensagem cristã, o Evangelho que não apenas anuncia salvação, mas a realiza,
que não apenas informa, mas transforma, que não apenas fala de Deus, mas é o
próprio poder de Deus agindo em nós.
O apóstolo nos ensina que o Evangelho não é uma mensagem sobre como o homem
pode alcançar Deus, mas como Deus, em Cristo, desce até o homem para
salvá-lo.
Não me envergonho do Evangelho (vs 16 a)
Paulo inicia sua grande declaração:
"Pois não me envergonho do evangelho..."
Esta é uma expressão retoricamente poderosa. É o que os gramáticos chamam de litotes[1] — uma afirmação feita pela negação do seu contrário.
Em vez de dizer "orgulho-me do Evangelho", Paulo diz "não me envergonho dele".
É o mesmo que afirmar com força: "Eu me glorio no Evangelho de Cristo."
Escrevendo aos Gálatas, ele diz:
"Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo." (Gl 6.14)
Para Paulo, o Evangelho não é motivo de vergonha, mas de glória e alegria triunfante.
Entretanto, havia cristãos que, de algum modo, se envergonhavam do Evangelho. O próprio Timóteo precisou ser exortado:
"Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro dele." (2 Tm 1.8)
Muitos, naqueles dias, sabiam que Paulo estava preso por causa do Evangelho, mas fingiam não saber. Tinham medo, evitavam associar-se a ele.
A vergonha era um reflexo da pressão cultural, o mundo ridicularizava o Evangelho e considerava-o loucura (1 Co 1.18).
E por que o mundo o ridiculariza?
Porque o Evangelho anuncia um Salvador que nasceu em pobreza, num estábulo; um carpinteiro de Nazaré que não possuía onde reclinar a cabeça.
Pense nisso: em meio à pompa dos imperadores e à sofisticação da corte romana, Paulo chega proclamando que o Salvador do mundo era um carpinteiro crucificado.
Podemos imaginar os risos e o sarcasmo dos círculos cultos de Roma. "Um judeu da Galileia, filho de um carpinteiro, é o Filho de Deus e Salvador do mundo? E ele salva morrendo numa cruz? Que absurdo!"
Mas é justamente aí que reside o paradoxo glorioso, aquilo que o mundo chama de loucura é o poder de Deus para a salvação.
E aqui surge um teste espiritual:
Se o Evangelho que ouvimos não ofende o homem natural, há algo errado nele.
O verdadeiro Evangelho confronta, humilha e ofende o orgulho humano, porque diz que o homem nada pode e que somente Cristo salva.
Se o homem natural aplaude a pregação, ela provavelmente perdeu o seu poder.
O Evangelho é o poder de Deus para a salvação (vs 16b)
O termo dýnamis Theou indica poder ativo, criador, transformador.
O Evangelho não é um sistema de ideias, nem uma filosofia; é a exposição de fatos divinos e históricos; o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus.
O mundo gosta de filosofias, elas parecem elegantes, intelectuais. Mas o Evangelho não é filosofia; é notícia, é testemunho, é poder. Ele não discute conceitos rivais; ele proclama um fato consumado:
"Cristo morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação." (Rm 4.25)
Por isso o mundo o despreza: não há nele sutileza humana, mas verdade absoluta.
É por meio dessa loucura da pregação (1 Co 1.21) que Deus salva os que creem.
Esse poder não reforma apenas o comportamento; regenera o coração.
É o poder que:
- liberta da culpa (justificação);
- liberta do domínio do pecado (santificação);
- e nos guardará da ira vindoura (glorificação).
Ele age pela Palavra, acompanhada do Espírito.
O Evangelho é o meio da salvação para todo aquele que crê (vs17a)
A salvação é para todo aquele que crê.
A fé é o instrumento da graça.
Ela não é obra do homem, mas dom de Deus (Ef 2.8).
É a mão vazia que recebe o dom gratuito da justiça de Cristo.
"Primeiro do judeu, e também do grego."
Aqui, Paulo reafirma que a salvação é universal em oferta, mas particular em eficácia.
O Evangelho rompe fronteiras étnicas e culturais.
O judeu foi o primeiro a ouvir; o gentio, igualmente alcançado.
No entanto, só o que crê é salvo — pois a fé verdadeira é fruto da eleição e da regeneração do Espírito.
E essa fé não é um ato isolado, mas um modo de vida.
O justo não apenas crê para ser salvo; ele vive crendo.
A fé que justifica também sustenta e persevera.
Jonathan Edwards escreve:
"A fé que não persevera nunca foi fé verdadeira."
Assim, o Evangelho não é apenas o começo da vida cristã; é o caminho inteiro.
O Evangelho é a revelação da justiça de Deus (vs 17b)
"Porque nele se descobre a justiça de Deus, de fé em fé, como está escrito: o justo viverá pela fé."
Trata-se da justiça que vem de Deus, não da que vai a Deus, a justiça que Ele provê, não a que Ele exige.
É uma justiça imputada, forense, gratuita, perfeita, a justiça de Cristo creditada ao pecador.
Lutero chamou-a de iustitia aliena, "justiça alheia":
"A justiça pela qual o justo vive é uma justiça fora de nós, a justiça de Cristo."
Essa justiça é revelada "de fé em fé", ou seja, desde o início até o fim, tudo é pela fé.
Não há degraus de mérito; há apenas um caminho, crer.
A fé é a raiz, o tronco e o fruto da vida cristã.
Habacuque 2.4 é citado para mostrar a continuidade da revelação:
"O justo viverá pela fé."
O mesmo princípio que sustentou os santos do Antigo Testamento é o que governa o Novo: a vida que vem da fé na promessa de Deus.
Aplicações
- Não se envergonhe do Evangelho.
- Examine sua relação com o Evangelho: é um conceito doutrinário ou uma realidade vivida?
- Busque viver "de fé em fé" — uma vida em constante dependência de Cristo.
- Que cada lar cristão seja um altar da graça, onde a justiça de Deus é ensinada, celebrada e vivida.
- Pais reformados não legam bens, mas fé — a herança mais nobre.
- Que a Igreja Batista Raízes seja conhecida como uma igreja centrada na cruz, firmada na graça e ousada no testemunho.
- O poder do Evangelho deve ser visível em nosso amor, unidade e santidade.
- O Evangelho é o poder de Deus para salvação — não apenas informação, mas transformação.
- Proclame-o com coragem, pois ele é tão eficaz hoje quanto foi no coração de Roma.
Conclusão
O Evangelho é o poder de Deus, a justiça de Deus e a glória de Deus revelada em Cristo.
Ele é desprezado pelo mundo, mas exaltado pelos remidos.
Em um tempo em que o homem se gloria de seu intelecto, ou pior, na sua esperteza, Paulo nos chama a gloriar-nos na cruz.
Lloyd-Jones disse certa vez:
"Quando a igreja deixa de se envergonhar do Evangelho, o poder de Deus volta a manifestar-se."
Portanto, como Paulo, não nos envergonhemos do Evangelho.
Orgulhemo-nos dele, vivamo-lo, preguemo-lo, e que nele estejamos dispostos a sofrer, porque ele é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.
Oração
Senhor nosso Deus e Pai, Louvamos-Te pelo Evangelho do Teu Filho, que é poder, justiça e graça.
Livra-nos da vergonha diante dos homens e dá-nos ousadia diante do mundo.
Que a cruz de Cristo seja nossa glória, e que nossa vida proclame o poder do Teu amor.
Renova-nos pela fé, santifica-nos pela Tua Palavra e usa-nos para manifestar a Tua justiça entre os povos.
Em nome de Jesus Cristo, nossa justiça eterna. Amém.
[1] Litote é uma figura de linguagem que consiste em afirmar algo por meio da negação do seu contrário, com o objetivo de suavizar a expressão ou criar um efeito de ironia.
