O Descanso do Salmo 91

21/09/2025

Introdução

Há experiências na vida que só entendemos plenamente quando as revisitamos. Quem nunca voltou à casa onde morou na infância e se surpreendeu ao perceber que aquele lugar, que parecia imenso aos olhos de criança, na verdade é bem menor do que se lembrava? O corredor que parecia infinito é apenas um espaço curto; o quintal que era um "campo de futebol" cabe em poucos passos. Essa sensação de rever o passado nos mostra como nossa percepção da realidade muda com o tempo, com a maturidade e com as circunstâncias.

Da mesma forma, também acontece com a nossa visão da vida e da segurança. Na infância, confiamos nos braços de nossos pais, como se nada pudesse nos atingir. Mas, na vida adulta, cercados por responsabilidades, problemas e ameaças, descobrimos que a casa não é tão grande, os braços humanos não são tão fortes e as garantias deste mundo não são tão seguras. É nesse ponto que o Salmo 91 se torna não apenas poesia, mas um convite a enxergar a realidade com os olhos da fé: há um Refúgio que não diminui com o tempo, há um Abrigo que não perde força diante das crises, há um Castelo que continua inabalável — o próprio Deus, o Altíssimo.

Assim como as memórias da infância nos lembram que a perspectiva pode enganar, este salmo nos leva a perceber que a verdadeira segurança não está nas ilusões do passado, nem nas falsas promessas do presente, mas em habitar no esconderijo do Altíssimo e descansar à sombra do Onipotente.

Em um mundo marcado pela instabilidade, a busca por segurança tornou-se um dos maiores anseios da humanidade. Seja nas crises políticas, nos colapsos econômicos, nas epidemias ou nos conflitos armados, as pessoas buscam um lugar de refúgio, algo ou alguém que lhes dê a sensação de proteção contra as ameaças da vida. Entretanto, o coração humano tende a procurar segurança em lugares frágeis: no poder, no dinheiro, na ciência ou até em superstições. É nesse contexto universal de medo e incerteza que o Salmo 91 se apresenta como uma rocha firme para os filhos de Deus.

Este salmo não é um amuleto religioso para afastar o mal, como infelizmente é usado por muitos que o deixam aberto em suas casas. Pelo contrário, ele é uma canção de confiança que nos convida a viver sob a sombra do Deus Altíssimo, descansando na certeza de que a vida do crente está escondida em Cristo. Sua mensagem é profundamente atual, pois fala de confiança inabalável em meio ao caos, de fé perseverante em tempos de tribulação e de segurança eterna diante da fragilidade da vida.

O Salmo 91 é um hino de confiança. Seu autor é desconhecido, mas sua poesia ecoa experiências de perigo, perseguição e ameaça de morte. Muitos estudiosos o conectam ao contexto das peregrinações de Israel ou às batalhas enfrentadas pelo povo no deserto. Seu gênero literário é o da poesia hebraica, marcada por paralelismos e imagens vívidas que comunicam a segurança do crente em Deus.

A Busca Universal por Segurança (vv. 1-2)

O ser humano, em todas as épocas e culturas, busca segurança. Desde a infância, quando se esconde nos braços dos pais diante de um trovão, até a velhice, quando procura estabilidade diante da fragilidade do corpo, todos desejam um lugar seguro. Essa busca é legítima, mas, muitas vezes, é mal direcionada. Alguns a depositam em bens materiais, outros em sistemas políticos, outros em relacionamentos, mas todos acabam se decepcionando, porque nenhum refúgio humano é capaz de sustentar a alma em meio às tempestades da vida.

É nesse contexto universal que o Salmo 91 abre com uma declaração solene e transformadora:

"Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará" (v.1).

O verbo hebraico yashav (יָשַׁב) — traduzido como "habitar" — não significa apenas visitar ou buscar refúgio temporário. É um termo de permanência, de residência. É como quem fixa morada, como quem decide viver ali e não apenas se abrigar por um instante. Habitar no esconderijo do Altíssimo (Elyon, o Deus Supremo) é entrar em comunhão íntima com o Senhor e permanecer nEle. Essa morada não é física, mas espiritual: é a vida que se desenrola sob o senhorio de Deus, confiando que nenhum inimigo pode atravessar as muralhas do Seu cuidado soberano.

A segunda expressão, "à sombra do Onipotente", acrescenta uma camada de ternura e proximidade. No contexto do Oriente Médio, onde o calor escaldante podia ser mortal, a sombra era símbolo de refrigério, alívio e segurança. Estar à sombra do Shaddai — o Todo-Poderoso — é desfrutar da proteção constante de um Deus que cobre os Seus com Sua mão poderosa. É uma imagem que une força e ternura: Deus é fortaleza inexpugnável, mas também sombra acolhedora.

O verso 2, então, se torna a resposta pessoal a essa realidade:

"Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nEle confiarei."

Aqui, o salmista não fala de forma abstrata ou teórica. Ele não diz apenas que "o Senhor é refúgio", mas que "Ele é o meu refúgio". A fé verdadeira não é apenas confissão doutrinária, mas apropriação pessoal da promessa. A diferença entre saber que existe uma fortaleza e entrar nela é a diferença entre vida e morte no campo de batalha. Assim, o crente não se contenta em conhecer verdades sobre Deus; ele se apropria delas e faz do Senhor a sua fortaleza diária.

Esse é o ponto central do salmo: a fé que se apropria das promessas divinas. Não basta crer que Deus é poderoso; é preciso confiar que esse poder é exercido em nosso favor. Não basta saber que Ele é abrigo; é necessário refugiar-se nEle. A fé reformada insiste nessa dimensão: a confiança é mais do que conhecimento intelectual, é descanso existencial. A verdadeira fé é aquela que repousa no coração, pela qual nos apropriamos de Cristo como nosso Salvador.

Portanto, os dois primeiros versículos nos mostram a resposta à busca universal por segurança: habitar em Deus e confessar com fé pessoal que Ele é o nosso refúgio e fortaleza. Esse é o caminho da verdadeira paz, paz que não depende das circunstâncias externas, mas da presença do Altíssimo.

Imagine uma forte tempestade se formando no horizonte: nuvens negras, trovões, raios, ventos que começam a sacudir tudo ao redor. Você vê um abrigo seguro, sólido, construído para resistir a tempestades. Não basta saber que o abrigo existe. Não basta falar dele para os outros. O que de fato traz segurança é entrar nele e permanecer ali até que a tempestade passe.

Assim é a vida de fé. Muitos sabem que Deus é poderoso, que Ele é refúgio e fortaleza, mas continuam do lado de fora, vivendo como se a proteção fosse apenas uma ideia distante. O salmista, porém, não apenas reconhece que o Senhor é refúgio — ele declara: "Ele é o meu refúgio, a minha fortaleza". É a diferença entre conhecer um abrigo e fazer dele a sua casa.

Da mesma forma, o convite do Salmo 91 é claro: não apenas fale sobre Deus, mas habite nEle. Não apenas ouça que Ele é abrigo, mas faça dEle o seu abrigo. É essa confiança que traz descanso em meio às tempestades.

O Deus que Protege em Meio ao Perigo (vv. 3-8)

Nos versos 3 a 8, as metáforas se intensificam: Deus é aquele que livra da peste, cobre com suas penas e guarda de terrores noturnos. Nesses versos, o salmista descreve de maneira vívida a proteção divina, utilizando imagens que revelam tanto a soberania quanto a ternura de Deus. "Ele te livrará do laço do passarinheiro e da peste perniciosa" (v. 3). Aqui estão dois perigos: o laço do passarinheiro, que representa armadilhas invisíveis e traiçoeiras, e a peste mortal, que simboliza calamidades coletivas, como pragas e epidemias. Ou seja, Deus guarda Seu povo tanto dos ataques ocultos quanto das ameaças que assolam em escala ampla.

No verso 4, encontramos uma das imagens mais belas do salmo: "Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas estarás seguro." Essa linguagem remete ao cuidado de uma ave que protege seus filhotes sob suas asas. É uma cena de profunda ternura e intimidade, que nos fala do amor de Deus que acolhe e guarda Seus filhos. Contudo, há também uma dimensão teológica mais profunda: essa imagem evoca o propiciatório da arca da aliança, sobre o qual os querubins estendiam suas asas, representando a presença protetora e redentora do Senhor (Êx 25:20-22). Estar debaixo das asas de Deus é, em última análise, estar coberto pelo Seu pacto e pelo sangue da expiação.

O salmista prossegue: "Não temerás o terror da noite, nem a seta que voa de dia, nem a peste que anda na escuridão, nem a mortandade que assola ao meio-dia" (vv. 5-6). Aqui temos um quadro completo: Deus guarda em todos os momentos, de noite e de dia, no escuro e ao meio-dia, quando ninguém percebe e quando todos veem. Nada escapa ao Seu cuidado.

Nos versos 7 e 8, a cena se intensifica: "Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido. Somente com os teus olhos contemplarás, e verás a recompensa dos ímpios." É uma linguagem militar, de guerra ou epidemia, onde muitos caem, mas aquele que confia no Senhor permanece de pé. A ideia não é que o justo nunca enfrentará dor ou até a morte, mas que nenhum mal terá poder final sobre ele, pois está guardado para a eternidade em Deus.

A Garantia da Presença Divina (vv. 9-13)

Os versos 9 a 13 destacam que aquele que faz do Senhor o seu refúgio experimentará livramento de males e tropeços. O salmo chega ao ápice nos versos 14 a 16, quando o próprio Deus toma a palavra e promete: "Porque a mim se apegou com amor, eu o livrarei; pô-lo-ei a salvo, porque conhece o meu nome." Aqui, a aliança se revela em toda sua força: o amor de Deus pelo Seu povo garante a vitória final sobre o mal.

Não podemos deixar de notar que este salmo foi citado no Novo Testamento, quando Satanás tentou Jesus (Mt 4:6; Lc 4:10-11). O inimigo, astuto, usou este texto para induzir Cristo à presunção, sugerindo que Ele testasse a fidelidade do Pai. Mas Jesus respondeu corretamente: "Não tentarás o Senhor teu Deus." Isso nos ensina que a confiança no cuidado divino não deve ser confundida com irresponsabilidade ou arrogância espiritual. A fé descansa na providência, mas não manipula as promessas de Deus.

A Voz do Próprio Deus (vv. 14-16)

• O ápice do salmo: Deus fala diretamente.

• Promessas: livramento, resposta, presença na angústia, honra e vida eterna.

• O amor que se apega a Deus garante segurança inabalável.

A teologia do Salmo 91 revela especialmente o aspecto fundamental da soberania de Deus como refúgio: Ele é chamado de Altíssimo (Elyon) e Onipotente (Shaddai). Esses nomes enfatizam que não há poder acima dEle e que nenhuma força do mal pode frustrar Seus planos. Ele não apenas governa a história, mas também cuida pessoalmente dos Seus.

Este salmo nos ensina a doutrina da perseverança dos santos: aqueles que verdadeiramente estão em Cristo jamais serão abandonados. Como afirma Paulo em Romanos 8:38-39, nada pode nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus.

A Escritura está repleta de exemplos que confirmam a verdade do Salmo 91. Durante as pragas do Egito, o Senhor poupou o Seu povo em Gósen, mostrando que Ele sabe distinguir e guardar aqueles que Lhe pertencem (Êx 8:22-23).

Na história da igreja, Martinho Lutero é um exemplo notável. Quando a peste assolou Wittenberg, muitos fugiram da cidade, mas Lutero permaneceu para servir os enfermos, confiando que sua vida estava nas mãos de Deus. Nesse contexto, compôs o hino "Castelo Forte é o Nosso Deus", ecoando a confiança expressa no Salmo 91.

Aplicações

A mensagem do Salmo 91 não deve ser apenas admirada, mas praticada:

• Vida pessoal: Em tempos de ansiedade, ore este salmo. Faça dele sua confissão diária de fé. Quando as notícias trouxerem medo, volte-se para a Palavra e declare: "O Senhor é meu refúgio e fortaleza."

• Vida familiar: Ensine seus filhos a confiar em Deus. A segurança que eles precisam não está em grades ou seguros de vida, mas em um lar centrado em Cristo. Pais que oram e leem as Escrituras com seus filhos constroem um ambiente de fé.

• Vida comunitária: A igreja deve ser um espaço de acolhimento e encorajamento. Em tempos de medo coletivo, devemos ser luz e sal, apontando para a fidelidade de Deus.

• Vida missionária: O mundo observa como reagimos em tempos de crise. Quando os ímpios se desesperam, o cristão confiante prega não apenas com palavras, mas com a serenidade que emana de um coração que descansa no Senhor. Assim, nosso testemunho se torna um poderoso sermão vivo.

A beleza do Salmo 91 é que ele aponta diretamente para Cristo. Ele é o esconderijo do Altíssimo, a sombra do Onipotente, o abrigo em meio à tempestade. Na cruz, Jesus enfrentou o terror que nós merecíamos. Ele foi ferido, mas por suas feridas nós fomos sarados. Ressuscitando ao terceiro dia, Ele venceu a morte e garantiu que nenhum mal terá a palavra final sobre aqueles que nEle confiam.

Não significa que não enfrentaremos dores, doenças ou até mesmo a morte. Significa que, em Cristo, nenhuma dessas coisas terá vitória definitiva. A promessa do Salmo 91 encontra seu clímax na obra redentora de Jesus, que nos garante segurança eterna.

Conclusão

O Salmo 91 nos chama a viver pela fé. Ele não promete ausência de tribulação, mas a presença constante do Deus Altíssimo. Ele não garante que não seremos atingidos por enfermidades, mas assegura que nada poderá nos afastar do cuidado soberano do Senhor. O chamado é claro: habite no esconderijo do Altíssimo, viva à sombra do Onipotente, confesse diariamente que o Senhor é seu refúgio e fortaleza.

Hoje, Cristo lhe estende o convite: venha a Ele, descanse nEle, confie nEle. Segurança verdadeira não está na ausência de perigos, mas na presença de Deus em Cristo. Não viva à sombra do medo, mas à sombra do Onipotente.

Oração

Senhor Deus, Altíssimo e Onipotente, agradecemos porque em Cristo temos um refúgio seguro. Pedimos que nos ensines a habitar em Ti, e não apenas a visitar Tua presença. Dá-nos fé em tempos de medo, esperança em meio às incertezas e coragem diante das lutas. Guarda nossas famílias, fortalece a Tua igreja e usa-nos como testemunhas vivas do Teu cuidado. Que nossa vida seja um hino de confiança no Senhor. Oramos em nome de Jesus Cristo, nosso Refúgio eterno. Amém.

Sugestão de Hino

Castelo Forte é o Nosso Deus – Martinho Lutero.

"O cristão não vive à sombra do medo, mas à sombra do Onipotente."