Os Cinco Pontos do Calvinismo - uma breve introdução

Por: Reginaldo Cresencio
Texto base: Efésios 1:4 / Romanos 9 (NVI)
Introdução
Ao longo da história da Igreja, uma das maiores questões enfrentadas pelo povo de Deus foi: De quem é a obra da salvação? Essa não é apenas uma curiosidade teológica, mas uma questão vital que define como vivemos diante de Deus, como pregamos o evangelho e até como adoramos.
Vivemos em um tempo marcado por religiosidade rasa, em que muitos veem a fé cristã como um contrato em que Deus faz a sua parte e o homem completa o restante. Outros acreditam que o destino eterno depende exclusivamente de sua própria escolha, como se a salvação fosse fruto de uma decisão humana isolada. Essa mentalidade está presente em músicas, sermões e até na forma como muitos entendem a igreja: como um clube de voluntários que escolheu seguir a Cristo, e não como um povo soberanamente chamado e transformado pelo Espírito.
Entretanto, quando abrimos as Escrituras, vemos uma mensagem radicalmente diferente: a salvação é do Senhor, o profeta Jonas que o diga. (Jonas 2:9). Do início ao fim, ela é planejada pelo Pai, realizada pelo Filho e aplicada pelo Espírito Santo. Não há espaço para glória humana.
Os Cinco Pontos do Calvinismo, também chamados de Doutrinas da Graça, não nasceram como um sistema filosófico ou como uma construção intelectual fria. Eles surgiram no calor de debates sobre a própria essência do evangelho, como resposta pastoral e bíblica para proteger a igreja contra ensinamentos que diminuíam a graça e exaltavam a autonomia humana.
Essa discussão não é apenas antiga; ela é extremamente atual. Basta perguntar a um cristão comum: "Por que você foi salvo e o seu vizinho não?" Muitos dirão: "Porque eu escolhi a Cristo." Mas a Bíblia responde de outra forma: "Porque Deus me escolheu em Cristo antes da fundação do mundo" (Ef 1:4). Essa diferença muda tudo: muda a forma como encaramos nossa fé, como lidamos com as crises espirituais, como enfrentamos as tentações, e como anunciamos o evangelho.
Assim, estudar os Cinco Pontos do Calvinismo é mais do que um exercício intelectual. É um convite a redescobrir a profundidade da graça de Deus e a beleza do Seu amor soberano. É aprender a olhar para a vida cristã com os olhos fixos em Cristo, e não em nossa própria força. É ser libertado da escravidão do orgulho humano para descansar na segurança da cruz.
Se a nossa salvação dependesse de nós, estaríamos perdidos. Mas, porque depende de Deus, temos esperança firme, inabalável e eterna. Essa discussão nasceu de uma luta real dentro da igreja, quando o evangelho da graça foi colocado em risco por ensinos que exaltavam demais a vontade humana e diminuíam a soberania divina.
O Contexto Histórico
Em primeiro lugar, não foi Calvino que criou os Cinco Pontos do Calvinismo, como também não foi Armínio que criou o sistema Remonstrante, mas sim os seus discípulos, e é importante destacar que o Calvinismo não se restringe apenas a questão soteriológica, mas apresenta uma cosmovisão baseada na Soberania de Deus. Diante desta colocação eu gostaria de ressaltar que a salvação vem de Deus e sem a cruz todos estaríamos perdidos, ou seja, a maneira de como Deus nos vê é a mesma, independente dos sistemas teológicos, no entanto, a visão de como o homem vê Deus, muda radicalmente conforme a linha teológica escolhida.
Mas vamos revisitar a história dessa importante controvérsia:
No início do século XVII, um grupo de pastores e teólogos seguidores de Jacó Armínio (daí o termo arminiano) apresentou cinco artigos de protesto contra a teologia reformada que havia sido afirmada durante a Reforma Protestante.
Esses artigos ficaram conhecidos como "Remonstrância" (1610).
Esses arminianos defendiam que:
1. Eleição Condicional: A eleição de Deus era baseada na previsão da fé humana.
2. Expiação Universal: Cristo morreu por todos os homens indistintamente, tornando a salvação possível, mas não garantida.
3. Depravação Parcial: O homem, mesmo caído, ainda teria condições de cooperar com a graça.
4. Graça Resistível: A graça de Deus poderia ser resistida pelo homem.
5. Insegurança da Salvação: O crente poderia perder sua salvação.
A essência desses artigos era simples: colocar a decisão final da salvação nas mãos do homem, e não na graça soberana de Deus.
No último estudo dessa série, veremos um dos pontos bastante controverso no arminianismo que é a perda da salvação, e esse é apenas o mais fácil de entendermos, portanto, não deixem de participar dos próximos estudos. Sobre esse assunto irei dar apenas um pequeno spoiler: Jacó Armínio (1560–1609), professor de teologia na universidade da Holanda, morreu antes de declarar oficialmente uma posição definitiva sobre a perseverança dos santos. Em seus escritos, ele deixou em aberto a questão, mas se inclinava a crer que um crente genuíno poderia, sim, cair da graça e perder a salvação.
Seus seguidores, conhecidos como remonstrantes, deixaram registrado no 5º artigo:
"A verdadeira fé pode ser abandonada, e um crente genuíno pode cair finalmente da graça."
Esse artigo mostra claramente que, para eles, a salvação não era absolutamente segura. O crente deveria "cooperar" com a graça até o fim, caso contrário poderia apostatar.
Mas talvez alguém que frequentou uma igreja de linha arminiana responda: "mas pastor, eu nunca aprendi que se perde salvação" eu aprendi que: "uma vez salvo, salvo para sempre".
Como vimos, a Remonstrância (1610) e os arminianos originais admitiam a possibilidade real de perda da salvação.
Essa linha foi herdada pelo metodismo wesleyano e por muitas igrejas pentecostais históricas (como Assembleias de Deus), que ainda hoje ensinam que o crente pode perder a salvação por apostasia final.
Com o tempo, especialmente no contexto norte-americano, surgiu um ramo dentro do evangelicalismo que mesclou ideias arminianas (sobre livre-arbítrio e expiação universal) com a crença na segurança eterna (mais próxima do calvinismo).
Essas igrejas são chamadas, em geral, de:
• Arminianos de segurança eterna (Eternal Security Arminians)
• Semi-arminianos (termo usado por alguns teólogos reformados para diferenciar do arminianismo clássico)
Popularmente conhecidos como defensores de "uma vez salvo, salvo para sempre"
Muitas igrejas batistas independentes (especialmente nos EUA e América Latina) – defendem a expiação universal e o livre-arbítrio (arminianismo), mas também pregam a segurança eterna do crente.
O movimento chamado de "Free Grace Theology" (Teologia da Graça Livre), é comum em alguns círculos batistas e dispensacionalistas .
Algumas igrejas evangélicas não denominacionais que, embora rejeitem os cinco pontos do calvinismo, sustentam que a salvação não se perde.
O arminiano clássico prega: "Você pode perder a salvação se abandonar a fé."
O arminiano de segurança eterna prega: "Você pode escolher Cristo livremente, mas uma vez que O aceitou, não há como perder a salvação."
Ou seja, eles negam a perseverança dos santos reformada (porque, para eles, o crente pode viver em desobediência e ainda assim estar salvo), mas também negam a perda da salvação do arminianismo clássico.
O Concílio de Dort (1618–1619)
A Igreja Reformada Holandesa vivia uma profunda crise teológica e política por causa das ideias de Jacó Armínio e seus seguidores, chamados remonstrantes.
Após a morte de Armínio (1609), seus discípulos organizaram um documento chamado Remonstrância (1610), com cinco artigos que resumiam seu ensino sobre predestinação, expiação e graça. Esses pontos desafiavam a fé reformada consolidada desde a Reforma e traziam forte divisão na Igreja, chegando até o Parlamento holandês.
A crise foi tão séria que precisou de uma convocação internacional de teólogos para tratar do assunto. Participaram cerca de 84 pastores e professores, mais de 20 leigos e representantes políticos. Estiveram presentes teólogos de várias nações reformadas: Holanda, Alemanha, Suíça, Inglaterra e Escócia.
Os arminianos também foram convidados para defender suas posições, mas ao longo do processo foram desacreditados e afastados, pois se recusaram a submeter-se às Escrituras como base final de julgamento.
O Sínodo de Dort se reuniu por 154 sessões ao longo de 7 meses na cidade de Dordrecht (Holanda), daí o nome "Dort" ou "Dordt", e durou de novembro de 1618 a maio de 1619.
Durante esses meses de intenso debate, o Sínodo rejeitou os cinco artigos da Remonstrância e reafirmou, com base nas Escrituras, a soberania da graça de Deus na salvação. Assim nasceram os Cinco Pontos do Calvinismo, não como uma invenção humana, mas como uma defesa bíblica da fé reformada.
Mais tarde, esses cinco pontos foram resumidos em um acróstico em inglês: TULIP –
Total Depravity (Depravação Total)
Unconditional Election (Eleição Incondicional)
Limited Atonement (Expiação Limitada ou Redentiva)
Irresistible Grace (Graça Irresistível)
Perseverance of the Saints (Perseverança dos Santos)
Cada um desses pontos não deve ser visto isoladamente, mas como uma corrente de ouro que descreve o plano eterno de Deus de salvar um povo para Si mesmo em Cristo.
Relevância Hoje
Pode parecer que estamos lidando com uma controvérsia distante, mas a verdade é que as mesmas ideias ainda vivem hoje:
• Quando alguém diz que "Deus faz a parte dele, mas o homem precisa fazer a parte dele para completar a salvação", está repetindo o eco do arminianismo.
• Quando igrejas ensinam que a fé é uma decisão autônoma do coração humano, esquecendo a regeneração operada pelo Espírito, estão caminhando pela mesma trilha.
• Quando cristãos vivem inseguros, temendo perder a salvação, estão ignorando a promessa bíblica da perseverança dos santos.
Por isso, estudar os Cinco Pontos não é apenas revisitar a história. É reafirmar a centralidade da graça de Deus em nossas vidas hoje. É proclamar que:
• O homem, em sua condição natural, está espiritualmente morto.
• Deus, em Seu amor eterno, escolhe soberanamente salvar.
• Cristo morreu eficazmente pelos Seus.
• O Espírito aplica irresistivelmente essa redenção.
• E os eleitos perseverarão até o fim, guardados pelo poder de Deus.
Aplicação
Ao compreendermos isso, somos libertos do fardo de pensar que nossa salvação depende de nós mesmos. A igreja se torna uma comunidade humilde, que reconhece: "Nada temos que não tenhamos recebido" (1Co 4:7). E cada crente, em meio às lutas diárias, encontra descanso: "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8:31).
As Doutrinas da Graça não são um peso intelectual, mas uma fonte de consolo:
• Elas nos humilham (T),
• Nos consolam (U),
• Nos asseguram (L),
• Nos animam (I),
• E nos guardam (P).
Por isso, o coração reformado canta com confiança:
"Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente" (Rm 11:36).
Síntese
Diante desse breve panorama, podemos perceber que os Cinco Pontos do Calvinismo não nasceram de especulação acadêmica ou de curiosidade filosófica, mas de uma batalha espiritual e teológica em torno daquilo que é mais precioso: o evangelho da graça. Eles são, em essência, uma defesa da verdade bíblica de que "do Senhor vem a salvação" (Jonas 2:9).
A grande questão nunca foi apenas sobre palavras como eleição, graça ou perseverança, mas sobre o coração do próprio evangelho: Quem é o autor da salvação? Se for o homem, estamos perdidos. Se for Deus, temos esperança segura e inabalável.
Essa é a razão pela qual precisamos revisitar essas doutrinas. Elas nos conduzem à humildade, lembrando que não há mérito em nós; nos conduzem à gratidão, pois fomos escolhidos e resgatados apesar de nossa rebeldia; e nos conduzem à adoração, porque toda a glória pertence a Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Assim, ao iniciarmos este estudo, precisamos ter em mente que os Cinco Pontos não são cinco pétalas frias de um debate antigo, mas cinco notas de uma mesma melodia: a melodia da graça soberana. Uma melodia que ressoa do coração do Pai eterno, ecoa na cruz do Filho amado e é aplicada com poder pelo Espírito Santo.
Que o nosso coração, ao ouvir essa melodia, se incline em adoração, fé e obediência.
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